quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Em prosa

Sentada à beira da cama, Ana chorava. O corpo nu, desolado, entregue à constatação de que, por fim, e mais uma vez, estava só. Perdera tudo, mas principalmente a capacidade de ser mulher. Tantos anos entregue a todo o tipo de homem que a procurasse no bordel, agora via seu corpo envelhecer: a pele flácida, a boca sem viço pesavam no espelho.

As lágrimas escorriam lentas em seu rosto: se alguma coisa não sustentava mais era a pressa. Tinha todo o tempo do mundo para dedicar-se a si mesma, afinal, não tinha com quem mais gastá-lo. Antes de todos, ninguém mais queria Ana.
Olhos fixos no teto, a que atentava? Não tinha mais vontade de viver, não se sentia mais viva. Talvez sempre estivesse morta, sua vida sempre atrelada ao prazer do outro, a mostrar-se feliz, agradável, a levar os outros a sorrir. Mas que felicidade Ana levava dentro de si?
Nem um filho fora capaz de gerar. Nada. Seca. Solitária por gerações. Ana seria esquecida assim que partisse, na verdade já não se lembravam mais dela. Mas Ana lembrava. Todos os dias lembrava do que fora ao olhar para seu corpo flácido e enrugado.
A mulher não suportava ser apenas uma lembrança. Uma lembrança cruel daquilo que nunca fora, do que nunca tivera coragem de ser.
A dor no peito parecia ecoar pelo quarto imundo, de paredes descascadas e sem tinta. Como não houvesse mais cor, mais vida, Ana aproximou-se da janela e fez seu último espetáculo.
No centro da rua, todos paravam para ver o corpo estendido no chão. Mais entregue do que nunca, Ana pudera se dar ao infinito.

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